Comparar as filarmónicas e suas
actividades de ontem (30 ou 40 anos atrás) com as de hoje é o mesmo que
comparar o incomparável.
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Filarmónica inicial do Soutocico (1946) |
São tantas as diferenças que para
as enumerar é preciso fazer um grande esforço de memória.
Em 1950 ingressei na filarmónica
da minha aldeia, Soutocico.
Tinha apenas nove anos de idade.
Tinha apenas nove anos de idade.
Dos dezoito alunos que entrámos
na mesma altura só três chegámos ao fim. Eu, Toninho Zarunza, e Afonso chomeco.
Eu fui tocar clarinete, o Zarunza Saxofone-alto e o Afonso trompete.
Era professor e maestro o Sr.
Bastos, 1º sargento músico. Homem pequeno mas com grande dinamismo e muito
exigente. Só nos passava de lição depois de bem sabida. Talvez por isso só três
dos dezoito vingassem, ou então, como não havia instrumentos nem dinheiro para os
comprar a selecção era mais rigorosa. Usava óculos muito graduados. As lentes
pareciam fundos de garrafas, tal não era a espessura.
Como não havia instrumentos
disponíveis, andei muito tempo a servir-me do clarinete que estava distribuído
ao Manuel Caganito. O mesmo aconteceu ao Zarunza que se serviu com o saxofone do
Manuel Miguel mas por pouco tempo porque este, saiu entretanto.
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Actuação no Clube do Soutocico |
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Actuação em Olivença, Espanha |
Hoje, fazem-se 8 ou 9 festas por ano.
Começam a tocar por volta das onze horas ou meio dia quando não é só da parte
da tarde. Não se fazem peditórios e juntar os sírios só junto do recinto das
festas. À hora das missa vão almoçar descansadamente geralmente no restaurante
da festa pago pela filarmónica, e depois fazem a procissão. À tarde, tocam uma
hora de concerto, fazem a entrega da bandeira e regressam a casa com o serviço
completo.
Os transportes é outra grande
diferença.
Antigamente: Até a uma distância de trinta ou quarenta
quilómetros as deslocações eram feitas de bicicleta, havendo ainda alguns que
não tinham bicicleta e deslocavam-se a pé. Além destas distâncias as
deslocações faziam-se de autocarro. Todas as despesas de instrumentos, maestro,
fardamentos eram pagas com o dinheiro que fazíamos nas festas, daí termos de
fazer muitas festas e mesmo assim, chegávamos ao fim do ano sempre empenhados.
Não havia subsídios de ninguém.Hoje: As deslocações são feitas em carros particulares qualquer que seja a distância. Não precisam de fazer muitas festas porque tem havido subsídios e outras ajudas que vão chegando para saldar as despesas.
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Filarmónica actual do Soutocico |
Mas, as diferenças mais
acentuadas e notórias são os repertórios.
Antigamente os repertórios eram
na base de rapsódias com música popular, lá havia uma ou outra filarmónica mais arrojada que incluía nos seus repertórios obras como “Oregon de Jacob Haan”; “Overture
1812 de Tcaikovsky”; “Danúbio Azul de Johann Srauss”mas, mal interpretadas porque os instrumentos não davam para mais
Hoje, além dos repertórios serem
mais sofisticados, são ainda mais bem interpretados,
Mas ainda bem que se melhorou bastante
e mais haverá para melhorar, caso contrário acabariam todas as filarmónicas.
Este resumo é baseado nas mais de
50 filarmónicas que conheçi e ainda conheço, cuja maneira de actuar não fugia nem foge muito do
que acabei de explanar.
Sempre tive e continuarei a ter
muita admiração pelas filarmónicas. Portanto, aproveito para dar os Parabéns a
todas as filarmónicas, suas direcções e a quantos nelas militam, por terem sabido viver com tantas
adversidades fazendo votos que continuem bem vivas e operacionais para continuarem a ser os grandes
polos da nossa cultura.
Soutocico 3 de Setembro de 2016
José António
https://youtu.be/dYXl01bnw4E Clicar aqui para abrir.
Futuro das
Filarmónicas
As filarmónicas que não conseguirem
fugir à crise ameaçadora e não lutarem com todas as armas que têm ao seu dispor
pelos seus direitos, não têm grandes hipóteses de sobrevivência.
As festas reduziram drasticamente. Os
subsídios quase não existem. As despesas inerentes à logística das
filarmónicas, nomeadamente, instrumentos; fardamentos; transportes;
professores; etc,, cada vez são mais expressivas. Se não houver fontes de
receita para superar as despesas escusado será dizer que entram em insolvência.
Por aquilo que me é dado conhecer, já há
filarmónicas a sofrer desta síndroma, algumas até com morte anunciada. Não
terão estas culpas no cartório? Culpas por nada fazerem para inverter a sua
situação? Não estarão elas a ajudar a cavar as suas próprias sepulturas por
negligência?
As filarmónicas quando foram fundadas
tinham como incumbência principal, abrilhantar as festas religiosas. Só podendo
fazer outros serviços quando autorizadas pela Igreja, salvo ameaça de
excomunhão. A sua missão compreendia: Arruadas; Peditórios com os festeiros
logo ao nascer- do- -sol; Recolha dos Círios; Missa catada e tocada; Procissão;
Concerto no arraial até ao pôr-do- sol ;e terminava o serviço com a entrega da
bandeira. Nas Arruadas, todo o Povo saía à rua para aplaudir a Filarmónica e
muitas pessoas abriam suas casas onde a mesa já estava posta para receber os
músicos e festeiros para lancharem. Era de tal ordem que, quando chegava a hora
do almoço, já não havia fome (por vezes nem sede) não obstante o desgaste
físico de uma manhã a andar e a tocar. Esta tradição quase já não existe. A
recolha dos Círios (Andores) e Procissão mantêm-se fieis à tradição. Missas
tocadas e cantadas pelas filarmónicas caíram completamente em desuso. Foram
substituídas pelos Coros, mas, no meu entender, para melhor.
Na parte do Arraial também houve uma
grande transformação. Enquanto à 20 ou 30 anos atrás as filarmónicas faziam
concertos de horas seguidas, com rapsódias de músicas populares que prendiam as
pessoas no arraial e toda a gente percebia o que estava a ouvir. Hoje, tocam
apenas uma hora de concerto com músicas sofisticadas de filmes que, na maioria
dos casos, quem está no arraial, não só não ouve, como tal música não lhes diz
nada.
Entenda-se que era um exagero. Exagero
no serviço em si que hoje podia considerar-se uma violência. Exagero, no
aspecto das filarmónicas só poderem tocar em actos religiosos. Mas, em abono da
verdade, “nem tanto ao mar, nem tanto à terra” Foi-se do oito para o oitenta..
Para combater este vazio, apareceram as
bandinhas que, dez ou doze músicos experimentados, fazem arruadas, fazem
peditórios, fazem tudo: tocam marchas; tocam música popular; cantam; um dia
inteiro, se preciso for, fazendo-se substituir pelas filarmónicas com 50 ou 60
elementos, não obstante estas tocarem música erudita e bem tocada. Claro que
não concordo com tais bandinhas e lutei muito para as combater, mas, o facto é
que elas estão a proliferar por tudo onde é sítio ocupando o lugar das
filarmónicas nas festas que por tradição, eram da pertença delas.
As filarmónicas têm de repensar como
voltar a conquistar o Povo, as comissões das festas, não para se escravizarem
como antigamente, isso já pertence ao passado, mas, com repertórios mais
atrativos, mais aliciantes, voltar a prender o público nos arraiais e não se
deixarem substituir pelas Bandinhas.
As Filarmónicas devem continuar a fazer
concertos sofisticados e eruditos, mas, em recintos próprios, onde o público
possa ouvir com atenção e interesse porque valorizará, não só o espectáculo,
como as filarmónicas em questão.
A Associação das Filarmónicas têm aqui
uma missão hegemónica para colaborar em defesa das suas associadas, para
precaução do futuro das mesmas, caso assim o entenda. Fica a minha sugestão e,
vale o que vale.
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